Ponto de encontro: o antigo prédio do DCE e a cena cultural de JF

Foi projetado para ser a Diretoria de Higiene de Juiz de Fora e, de fato, foi. Mas com o tempo se transformou na Escola de Engenharia. Mais tarde, deu lugar ao antigo prédio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e abrigou tantas outras instituições locais ao longo dos anos, importantes para a identidade da cidade. Talvez um único nome não dê conta da diversidade de histórias que aquela construção na Avenida Getúlio Vargas, esquina com a Rua Floriano Peixoto, no número 763, guarda há 129 anos.

O prédio que traz na sua fachada o escrito “Inspectoria Municipal de Hygiene” resiste como memória de uma Juiz de Fora de outros tempos. Inaugurado em 1894 com projeto assinado pelo engenheiro sanitarista francês Gregório Howyan, a construção carrega resquícios da arquitetura neoclássica, destoando das lojas ao redor da área.

Segundo o Centro de Conservação da Memória da Universidade Federal de Juiz de Fora (Cecom), a cidade passava por reformulação sanitária para tratar problemas de insalubridade quando o prédio foi criado. A inspetoria colaborou para o combate de epidemias, como a de febre amarela. Na época, o memorialista Pedro Nava, que também era médico, atuou como diretor do posto de saúde, e descreve o período no livro “Galo das trevas”. “Acho que foi um servicinho que prestei à cidade pois na época a febre não se espalhou, não fazendo muita coisa por lá”, disse o escritor em uma entrevista.

Para o arquiteto e diretor do Cecom, Marcos Olender, esse conjunto de edificações ajuda, um pouco, a contar a história da própria região central de Juiz de Fora. “A parte mais antiga remonta ao fim do século XIX, quando a cidade vive um momento de pleno desenvolvimento econômico e urbano e, consequentemente, com um rápido crescimento da população e das construções na sua área central. Já a construção do anexo, por sua vez, no fim da década de 1970, para abrigar a representação sindical dos professores (Apes), demonstra o crescimento da Universidade Federal de Juiz de Fora e o fortalecimento das lutas dos seus professores”, destaca.

O lugar é uma das principais edificações da cidade e foi tombado pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) como patrimônio cultural do município. Por mais de um século, passaram por ali a sede do Tiro de Guerra, em 1909; a Escola de Engenharia de Juiz de Fora (EEJF) – hoje Faculdade de Engenharia da UFJF -, em 1931; o antigo Curso Técnico Universitário (CTU), em 1962; e, por volta de 1975, o DCE começa a funcionar nas instalações.

 

Na vanguarda da cidade

 

Por 30 anos, o DCE fez sua morada naquele lugar. Ali eram realizados eventos acadêmicos, como debates, cursos, exposições e calouradas. Além, é claro, das reuniões administrativas que definiam as mobilizações da época. Dois anos depois da mudança do diretório dos estudantes para o prédio, Virgínia Guilhon Loures ingressou no curso de Comunicação da instituição e começou a frequentar o espaço.

“Era uma época em que ainda havia ditadura militar e os estudantes se mobilizaram. Apesar de termos várias chapas diferentes, nós tínhamos uma união estudantil e um propósito em comum, não era como hoje, com essa dicotomia, e o DCE foi o palco da nossa expressão”, relembra a jornalista.

O local era visto como um ponto de encontro entre os jovens, um espaço seguro, de acolhimento. Em uma das manifestações contra cortes de verba, Virgínia conta que, após repressão dos militares ao ato, muitos estudantes seguiram para o prédio do DCE. “Era um espaço livre, ali era a área do estudante, então não tinha como prender a gente ali.”

Em um dos anexos do prédio também existia uma gráfica, onde os estudantes imprimiam o jornal universitário com temas que afetavam os alunos das federais em escala nacional, e a então universitária atuava como secretária de imprensa. “O antigo prédio do DCE foi importante para democratizar a informação para a população jovem que estava interessada em cultura e novidade. Nós criamos esse espaço coletivo de liberdade.”

 

‘Vídeo, som, arte e ‘performance’ na noite do DCE’

DCE Virginia Loures Leonardo Costa 2

 

 
Anos depois de ter se formado na UFJF, Virgínia retornou à unidade, mas com uma proposta totalmente diferente da anterior – e do que a cidade já havia visto. No dia 10 de junho de 1987 foi inaugurado o Núcleo de Ação Cultural (N.A.C.), fundado por ela junto com Chico Amieiro, Marcia Carneiro, Elder Hartung, Maninha e o pessoal do DCE. A ideia era lançar novos artistas que não tinham espaço para mostrar seu trabalho e reunir um público eclético.

“Vídeo, som, arte e ‘performance’ na noite do DCE” foi a manchete, retirada de uma matéria da Tribuna em uma edição de 1986, usada para descrever o que acontecia no NAC. O lugar definitivamente era uma mistura. Funcionava como bar, pista de dança, cineclube com filmes fora do circuito comercial e casa de shows com bandas locais e nacionais. E foi ali que a cena alternativa de Juiz de Fora ganhou força.

“O N.A.C. reunia as pessoas que estavam em busca do novo, a galera do rock, do punk e de outros movimentos, porque até então na cidade só tinha espaço para o mainstream, e a gente trazia essa vanguarda, essa busca pela criatividade, mostrávamos os sons e imagens que estavam acontecendo no mundo para além do lugar comum, e em uma localização mais acessível”, explica a jornalista.

 

Lugar de memória e preservação

 

Na década de 2000, o DCE saiu do edifício histórico na esquina da Getúlio com Floriano e mudou para o Campus da universidade. Com isso, os sindicatos dos professores e funcionários da UFJF passaram a usar o local e, desde 2016, o Cecom e o Museu Dinâmico de Ciência e Tecnologia (MDCT) ocupam o espaço.

O Cecom é responsável por manter viva parte da memória da cidade. Em seu arquivo constam materiais do DCE, de Dormevilly Nóbrega e outros acervos fotográficos. Além disso, o museu tem uma exposição permanente de instrumentos didáticos de engenharia e física que faziam parte da antiga Escola de Engenharia.

“Além do trabalho de conservação e guarda de acervos, o Cecom realiza oficinas, minicursos, eventos culturais, exposições, visitas técnicas, postagens nas redes sociais, dentre outras ações sempre visando a capacitação das pessoas na preservação do patrimônio cultural da UFJF e da região e a conservação das suas respectivas memórias”, informa Olender.

Ele conheceu as instalações do antigo DCE pela primeira vez quando foi fazer uma visita para ver quais problemas precisavam ser solucionados para conservar o prédio histórico. De 2013 a 2015, o imóvel passou por obras de restauração e readequação para recuperação. As fachadas e a volumetria, que são tombadas, foram restauradas, e todo o interior, readequado. “Esse prédio é bem no coração da cidade, mas no coração marginal, ele tem um histórico político, e os estudantes trouxeram essa reunião de grupos diferentes em uma época que não havia liberdade”, comenta Virgínia.

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